sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Evas e Evita

Eva Peron visitou Espanha, em 08 de Junho de 1947, na posição de primeira-dama e em representação da Argentina durante a sua visita diplomática pela velha Europa. O avião da Ibéria aterrou em Barajas onde o general Franco com a sua esposa e filha aguardavam a chegada de Evita, a defensora dos “descamisados”. A comitiva percorreu várias ruas de Madrid para chegar à Plaza de España. Durante a viagem a multidão aglomerou-se nas ruas acompanhando o itinerário, e à passagem da comitiva acenavam com as bandeiras das duas nações, que foram distribuídas pela multidão. Segundo os relatos da época, mais de meio milhão de espanhóis saíra às ruas para ver e aclamar a primeira-dama da Argentina.
Dizem que Evita deixou Franco impressionado com seu carisma e garra, porém ela ficou extremamente desapontada com a pequenez do general espanhol, pois rapidamente percebeu que Franco não era amigo dos pobres, do povo, dos “descamisados”, aqueles que ela amava. Evita encontrou uma Espanha pós-guerra, ferida, a recuperar muito lentamente da Guerra Civil, em oposição ao processo de reforma intenso em que a Argentina havia embarcado. Evita era o coração desse processo do peronismo, enquanto o marido, o coronel Juan Perón, foi a mente que estava por trás para tomar decisões finais. Na sua visita a Espanha Evita começou um discurso com: «queridos “descamisados” de Espanha, é preciso evitar tantos ricos e tantos pobres ao mesmo tempo. Menos pobres e menos ricos ...» e, obviamente, essa não era exactamente o discurso que agradaria a Franco, cujo apoio veio principalmente das classes mais altas.
Imortalizada no cinema e no teatro e com
a mais emblemática das musicas
No llores por mi argentina 

O carácter de Evita era tão forte que não deixou ninguém indiferente, a ponto de rapidamente ganhar uma legião de inimigos. As classes mais altas da Argentina tinham-na como o seu ódio de estimação; um ódio que veio da insatisfação com as reformas que os privou do poder tradicional e por declarações que proferiu publicamente. Evita nunca se calou e atacou com veemência, criticando e influenciando a opinião pública e as decisões de Perón, agravando o ódio dos ricos por si. Além disso Evita, simbolicamente, representava um ataque colectivo com o seu estatuto social, tendo sido uma mera e medíocre actriz, de origem humilde, que viveu com o coronel Juan Domingo Perón e que, depois de se casar com ele, a tornou na primeira-dama da Argentina.

Um par de anos depois da sua visita a Espanha foi-lhe diagnosticado cancro no útero. A lenda diz que ela não quis ser operado porque não queria perder um minuto do seu tempo para deixar de estar no comando das mudanças em que a Argentina estava imersa. Nas paredes e muros dos bairros ricos foi pintado, com um extremo mau gosto, "Viva el Cancer", em “tom festivo” enquanto Evita era dolorosamente consumida no seu leito. Depois de meses de sofrimento, Evita morreu com 33 anos - a mesma idade de Jesus -, e em consequência da morte prematura, os mortos tendem a tornar-se “mártires” e a memória torna-se mais forte, criando assim lendas e mitos. A figura de Maria Eva Duarte de Perón, Evita, “a santa dos descamisados”, ainda hoje é reverenciada como um dos principais símbolos do peronismo.

E quem tenha lido desde o início este post, questiona-se porque decidi eu escrever sobre Eva Perón. Bem, depois de recordar a visita a Espanha de Evita em «Carta a Eva», em verdade é uma das quadraturas do círculo que tento fazer com alguma regularidade, e que se escrevesse tudo o que tenho em mente, talvez fizesse mais sentido. Ou não. Porque quando encontro pontos em comum com o tema que quero explorar, começo a divagar.
O motivo que me levou a começar a escrever este post foi outro. Escrever é apenas um simples pretexto para denunciar o quão cruel o ser humano pode ser, independentemente da instrução, classe social, época, idade e género, que mesmo percebendo que a finitude é, afinal, uma realidade e pode estar perto, e com o sofrimento que a puta de uma doença – de seu nome, cancro – trás, consegue ser tão, mas tão desprezível. Com Eva Perón deu-se “vivas” ao cancro. Porém outras “Evas” há que continuam a ser discriminadas, a acumular sofrimentos com a solidão, a exclusão social, o abandono, a serem olhadas com pena – quando um abraço tem o milagroso poder que não há em medicamento algum. Acham que exagero? Não.
Por muito que me custe, a verdade é que não é exagero. É real. Acontece. E pode acontecer a qualquer um de vós, que se deram ao trabalho de me ler.
Ainda que muito fique por dizer (escrever), creio que expressei o essencial. Alguém que se regozije com o sofrimento de outrem, não só não tem respeito pela sua espécie – a humana -, com é tudo menos GENTE.   


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